Sunday, February 16, 2014

Os planos de um homem, um dia...

Autor: Deivison Duarte Fonseca

O plano de um homem um dia, instalou trilhos, cruzou rios, rasgou montanhas e aplanou vales, fez brotar no coração de muitos, a esperança e a coragem, deu o desejo de trabalhar, comprar e vender seu produto, criar a família e se sentir honrado, trouxe nos trilhos, sobre os lombos de um trem de ferro, a riqueza do país e como que escritos com fumaça, o direito de sonhar.

Aquele trem de ferro, de mecânica inovadora e peças colossais, eram o progresso e a tecnologia soprando a roça num ar de generosidade e igualdade.

O cheiro da lenha queimada, da braúna, da cabiúna, jacarandá, bicuíba, lariba e da sucupira ardia levemente os olhos e dava sabor à viagem, gostinho de felicidade, em suspiro.

Só olhar a fumaça já valia o preço, mas a surpresa de cada estação enaltecia o passeio, que brutalmente contava a história de cada lugarejo e seus costumes.

A cadeira de madeira dura, envernizada, era o conforto e o prazer dos roceiros, que agora, podiam por sua vez, conhecer o Rio de Janeiro, por a mão na água do mar e provar pra si mesmo que era salgada.


Da esquerda pra direita no balanço dos vagões, ninava num sono gostoso, (sob) cantiga que as rodas da locomotiva fazia, ao passar pelas brechas entre os trilhos - catrá-catrá, catrá-catrá, continuava a canção.

O plano de um homem um dia fez tocar o sino e apito da locomotiva lá na pracinha por muito mais que sorriso da criançada.

De estação a estação, entre os cortes nas montanhas feitos a mão, na moda enxadão, o vento soprava suave, e a lembrança faltosa confunde com a serração.

Da cidade grande trazia o sal, açúcar e a querosene pra lamparina, a enxada e o machado Colins, espelho e a navalha de barbear Solingen Três Coroas.


Os mascates traziam chapéu de lebre e na caixinha de madeira, bem feitinha, o Omega Ferradura "pro bolso" dos coronéis e pros olhos peões.

Mais latas de leite, mais queijos, sacos de arroz, açúcar e café, cabritos e galinhas desesperadas, embarcavam na viagem junto as caixas, baús e malas de couro duro.

Nascia entre os ramais a prosperidade pobre de um povo rico.

As tropas traziam à estação sobre o lombo de burros de cara triste, a carne-seca, a linguiça a rapadura, produtos estranhos do fim do mundo e a pergunta irracional - o que esse povo veio fazer aqui?

O garoto, com o rosto debruçado na mão, via pela janela as árvores passarem na frente das vacas e os mourões de cerca correndo e saltando como cabritos... catrá-catrá, catrá-catrá.

Os trilhos, com sinuosas curvas, conduziam pra um mundo distante, desconhecido porém belo, novo e desejável.

Nos vagões de carga, Hercules, Guliver, Habaneic e Philips, as sonhadas bicicletas de rodas grandes, que os pescadores de Itapiruçú usavam pra vender o cascudo, a Carpa o Pial e o Dourado.


Aos milhares, os sacos de café no armazém CASEMG de Cisneiros, abasteciam os vagões vazios e os bolsos dos fazendeiros.

Mais uma vez, a parada na caixa d’água da Celeste matava a sede da locomotiva de ferro e o maquinista tomava o último suspiro antes de chegar à estação de Palma, ver as donzelas e quem sabe telegrafar pra Antônio Prado: - Tudo vai muito bem.

Depois da Congelação, já com os vagões cheios de leite, o farol da locomotiva perfurava a escuridão do túnel, todos se calavam e não viam a fumaça apenas viviam a emoção do momento com os olhos fechados... catrá-catrá, catrá-catrá.

-A passagem por favor, diz o condutor, o bilhete picotava. 


No cartão verde marcava, Cisneiros, Palma, Banco Verde, Silveira Carvalho, Barão de Monte Alto, Patrocínio do Muriaé, Coelho Basto e Antônio Prado de Minas e o pedaço rasgado no papel, deixava intrigante o restante da viagem.

O plano de um homem um dia, removeu os trilhos, desfez as montanhas, sangrou no coração de muitos a esperança, inibiu toda coragem, impediu de trabalhar, comprar e vender seus produtos, tirou a oportunidade de criar dignamente suas famílias, desonrou quem tinha honra, agora sem trilhos, sobre os lombos de quem anda a riqueza do país? Pois se foi com a fumaça, o direito de sonhar.

Os planos de um homem, um dia...

















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